Munduruku do Tapajós denunciam má fé em negociação sobre consulta ; governo volta a recuar

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Foto: Mauricio Torres
Foto: Mauricio Torres

Nesta segunda, 03, as principais organizações representativas das comunidades Munduruku do médio e alto Tapajós, no Pará – região onde está sendo projetada a construção de cinco hidrelétricas com forte impacto nas Terras Indígenas – , divulgaram novo documento questionando os métodos do governo no diálogo com as comunidades da região, principalmente em vista da obrigação de realizar a consulta prévia, prevista pela Convenção 169 da OIT, aos ameaçados pela usina de São Luiz do Tapajós. Diante da acusação de má fé, o governo acabou desmarcando uma reunião agendada em local diferente do acordado com os indígenas.

Após a última reunião sobre os termos de realização da consulta prévia, ocorrida no início de setembro na aldeia Praia do Mangue, em Itaituba, ficou acordado que os Munduruku fariam uma formação sobre a Convenção 169 e posteriormente apresentariam ao governo um protocolo de realização das consultas. Também ficou definido – e registrado em ata – que a próxima reunião seria na aldeia Sai-Cinza, em Jacareaganga.

Paralelamente, os indígenas exigiam que a terra indígena Sawre Maybu, em Itaituba, fosse finalmente demarcada, uma vez que o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da TI já está concluído há mais de um ano e segue parado na Funai. Diante da negativa do governo de dar andamento ao reconhecimento da TI, há duas semanas os Munduruku iniciaram um processo de autodemarcação da área, ao mesmo tempo em que a Justiça Federal deferiu uma ação do Ministério Público Federal, obrigando o governo a publicar o Relatório no Diário Oficial da União.

“Há essas duas coisas. Sobre a Consulta da Convenção 169, que é um direito dos índios ameaçados pelas usinas, decidimos que nós, os Munduruku, faríamos uma reunião na aldeia Praia do Mangue nos dias 3 e 4 de novembro para acertar os detalhes do protocolo da consulta, e depois a gente viria para a aldeia Sai Cinza, em Jacareacanga, para reunir com o governo. Isso consta na ata. Mandamos um oficio para a Funai pedindo estrutura e transporte, mas na última quinta o representante do governo disse que mudaria a reunião também para a Praia do Mangue. Falaram também que só participariam dessa reunião vereadores de Jacareacanga, além de representantes da associação Pusuru e do nosso movimento Ipereg Ayu. Como pode isso, se somos mais de 100 aldeias? Como pode deixar de fora todos os caciques? ”, questiona Leusa Munduruku, uma das integrantes do Movimento Munduruku Ipereg Ayu. “Diante desse fato, mas principalmente diante do fato de que o governo ainda não encaminhou o reconhecimento de Sawré Maybu, que tipo de diálogo teremos com o governo? A Convenção 169 da OIT fala que a coisa mais importante da Consulta é a boa fé dos governos. Se eles nem delimitam uma área que já está com relatório pronto na Funai há um ano, como vamos acreditar na boa fé de um diálogo sobre consulta, que ainda exclui a maior parte do nosso povo?”, afirmou Leusa.

Cancelamento da reunião
Logo após a divulgação , na tarde desta segunda, do documento que apontava a má fé e as quebras de acordo do governo, um representante da Secretaria Geral da Presidência ligou para a Funai de Jacareacanga informando o cancelamento da reunião. “Fomos avisados pela Funai mas não sabemos se houve um comunicado oficial, porque a internet não esteve funcionando a tarde toda”, explica Leusa Munduruku

Leia abaixo a nota completa dos Munduruku ao governo federal:

COMUNICADO AO GOVERNO BRASILEIRO
Nós, povo Munduruku, aprendemos com nossos ancestrais que devemos ser fortes como a grande onça pintada e nossa palavra deve ser como o rio, que corre sempre na mesma direção. O que nós falamos vale mais que qualquer papel assinado. Assim vivemos há muitos séculos nesta terra.

O governo brasileiro age como a sucuri gigante, que vai apertando devagar, querendo que a gente não tenha mais força e morra sem ar. Vai prometendo, vai mentindo, vai enganando.

Abaixo destacamos alguns pontos que mostram a má fé do Governo com o povo Munduruku:

Desde janeiro de 2001 o governo promete que vai fazer a demarcação da terra indígena Sawré Muybu. No ano passado toda a documentação para homologação e registro de nossa terra já estava pronta. Em setembro de 2013 o Relatório para delimitação foi concluído, mas não foi publicado. O Ministério Público Federal teve que entrar com ação obrigando a FUNAI a publicar o relatório, o que não fez até agora.

O governo não quer fazer demarcação porque isso vai impedir as hidrelétricas que eles querem fazer em nosso rio, chamadas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. Já que o governo não quer fazer a demarcação, decidimos que nós mesmos vamos fazer. Começamos a fazer a autodemarcação e só vamos parar quando concluir nosso trabalho.

Assim como não quer fazer a demarcação, o Governo age de má fé quando impõe sua agenda sem deixar espaço para nós ao menos indicar o local de reunião, como acontece agora com a reunião de 5 e 6 de novembro.

Nós decidimos que a reunião seria realizada na Aldeia Sai Cinza, o que foi acordado na oficina de capacitação que ocorreu na Aldeia do Mangue nos dias 2 e 3 de setembro de 2014 e está registrado em ata. Passamos o mês todo em articulação para que as lideranças e os caciques pudessem participar dessa reunião tão importante que será discutida como queremos ser consultados. O Governo mudou o local da reunião em cima da hora, faltando dois dias para ela acontecer. Agora não temos tempo nem condições de rearticular a mudança da reunião para o médio Tapajós.

Além disso, o Governo se negou a dar a quantidade de gasolina que pedimos para garantir a ida de nossos parentes que moram mais longe de Jacareacanga. Acreditamos que é responsabilidade do governo garantir o transporte dos Munduruku do Alto e Médio Tapajós tanto por água e por terra até o local da reunião, mas o mesmo se nega a garantir recursos dizendo que o custo é muito alto.

Queremos dizer ao governo que não precisa ter medo em vir nas Aldeias Munduruku, pois será muito bem tratado como foi o Nilton Tubino na Aldeia Sawré Muybu no dia 25 a 27 de agosto do deste ano. Queremos lembrar que é o próprio Governo que nos mete medo com sua força, a exemplo do que aconteceu com a operação eldorado na Aldeia Teles Pires que levou a óbito o nosso parente Adenilson Kirixi e a invasão da Aldeia Sawré Muybu pela Força Nacional em Março de 2013.

Queremos dizer também que estamos juntos, parentes do alto e baixo, lutando para a demarcação da terra indígena Daje Kapap Eipi, conhecida pelos pariwat como Sawré Muybu. Esse trabalho agora é prioridade para nós. Decidimos que os Munduruku que fazem parte do Movimento Munduruku Ipereg Ayu, do alto Tapajós, e Associação Pahyhyp, do médio Tapajós, não vamos participar da reunião com o governo nos dias 05 e 06 de novembro. E só voltaremos a falar com o governo depois que a terra indígena Sawré Muybu for demarcada e homologada.

Jacareacanga e Itaituba, 03 de novembro de 2014

Roseninho Saw Munduruku – Associação Pahyhyp
Maria Leuza Cosme Kaba Munduruku – Movimento Munduruku Ipereg Ayu
Arlindo KKaba
Francisco Waro Munduruku
Adalto Jair Akay Munduruku
José Manhuari Crixi – Tesoureiro Ass. Pusuru
Josias Manhuari Munduruku

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