Norte Energia descumpre acordos e provoca morte de ribeirinhos, denuncia Conselho

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“Belo Monte mata. A Norte Energia mente”. Mais que um mantra das vitimas da hidrelétrica que tiveram seus territórios, casas e modos de vida destruídos nos últimos dez anos, a frase reflete uma realidade brutal, concreta e cotidiana. Esta foi a denúncia apresentada nesta terça, 21, pelo Conselho Ribeirinho do Xingu, que representa cerca de 300 famílias expulsas dos territórios na beira do rio, em coletiva à imprensa de Altamira.

O óbito mais recente, explicaram lideranças do Conselho, ocorreu no último domingo, dia 19. Lídia Ferreira da Costa morreu vítima da depressão que a acometeu desde que, em 2015, foi retirada de suas terras na ilha do Palhal. De acordo com familiares, as condições precárias de sobrevida na cidade e a falta de perspectiva de reassentamento nas margens do reservatório da usina por parte da Norte Energia – obrigação constante da Licença de Operação de Belo Monte -, geraram um quadro de depressão profunda e adoecimento crônico, que resultou em sua morte.

O caso é emblemático por retratar a consequência mais violenta do protelamento de uma solução já negociada com o governo federal em fevereiro de 2018, acusa o Conselho.  Depois de mais de uma no de descumprimentos do acordo, a Norte Energia havia se comprometido a apresentar, nesta segunda, 20, o projeto definitivo de constituição do Território Ribeirinho, composto por três áreas identificadas e aprovadas pelas partes. Na última semana, no entanto, a empresa comunicou que a apresentação do plano seria postergada por um mês, mas que haveria uma conversa nesta terça. No fim da tarde de segunda, também esta conversa foi cancelada unilateralmente.

Mortes
De acordo com levantamento do Conselho, já são mais de 15 ribeirinhos mortos por doenças contraídas em consequência de Belo Monte, como câncer, diabetes e depressão. Neste computo não entram os jovens que, após serem removidos das ilhas e margens do Xingu, foram vítimas da violência na periferia de Altamira e região. “Já perdi mãe, um irmão, e agora uma irmã. E agora, Norte Energia?”, provoca Hildo da Costa, membro do Conselho e irmão de Lídia. “Não aceitamos mais morrer, e não aceitamos mais esperar”, declarou o Conselho em comunicado entregue aos jornalistas.

Leia a íntegra do documento

Não queremos mais morrer de esperar

Em fevereiro de 2018, integrantes do Conselho Ribeirinho do Xingu entregaram ao governo e à Norte Energia, em Brasília, sua proposta de retorno às margens do rio, de onde foram expulsos pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. Reunindo cerca de 300 famílias, o Conselho  apresentou um projeto detalhado para a criação do território ribeirinho nas margens do reservatório da usina de Belo Monte.

Nesta reunião, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) comprometeram-se a realizar , em um mês, a análise da situação fundiária da região reivindicada. Já a Norte Energia apresentaria um projeto de execução em um prazo de 60 dias.

Desde então, não houve resposta nem encaminhamento satisfatórios das reivindicações apresentadas, e cerca de 300 famílias seguem abandonadas à sua sorte. Os três territórios reivindicados pelos ribeirinhos têm sido sistematicamente devastados por fazendeiros locais, o desmatamento avança de forma desenfreada, e a vida na cidade vai se transformando em morte lenta.

Desalento, fome, doenças, falta de dinheiro para garantir um teto, depressão e, por fim, morte. Nesta semana, a estratégia de sistematicamente descumprir acordos e compromissos da Norte Energia, de deixar se esgotar a resistência dos corpos ribeirinhos, levou à morte de Lídia Ferreira da Costa por depressão e doença. Lidia, que foi expulsa de sua ilha no Palhal em 2015, não agüentou. Adoeceu, definhou, e morreu de tristeza num leito de hospital no dia 19 de maio de 2019.

Ontem, dia 20 de maio, a Norte Energia deveria apresentar ao Conselho Ribeirinho o projeto definitivo de volta de suas vitimas ao território reivindicado. Novamente, porém, comunica que não pretende honrar o compromisso.

Em e-mail enviado ao Conselho Ribeirinho no último dia 16, a empresa diz que postergará em pelo menos um mês a entrega do Projeto Básico do Território Ribeirinho, a ser protocolada no Ibama.

Lidia morreu de espera. E a espera está matando lentamente muitos mais. São dezenas de vítimas em depressão, em desalento, em estado endêmico de fome e tristeza. A destinação de uma terra para viver, a devolução de uma perspectiva de presente e futuro àqueles que foram arrancados das margens do Xingu por Belo Monte, não é questão de benevolência, senhores diretores da Norte Energia. É obrigação estipulada e amarrada na Licença de Operação da hidrelétrica.

Não aceitamos mais esperar. Não aceitamos mais protelações. Não aceitamos nada menos do que apresentamos na reunião do dia 6 de fevereiro de 2018 em Brasília, e que  foi acordado entre nós, os ribeirinhos, os senhores, diretores da Norte Energia, e o governo federal.

O Conselho Ribeirinho do Xingu responsabiliza a Norte Energia e todos os cúmplices do descumprimento dos acordos pela morte de Lídia Ferreira da Costa. Não aceitamos mais morrer, e não aceitamos mais esperar.

Abaixo, carta escrita por Hildo Ferreira da Costa, membro do Conselho Ribeirinho e irmão de Lidia

Meus amigos e amigas do Conselho Ribeirinho
Estou escrevendo para vocês pois perdemos mais uma vez uma pessoa que tinha o sonho de voltar para terra, que aos poucos ia se realizando.

Escrevo para Norte Energia que já perdi mãe, irmão e agora uma irmã. E agora, Norte Energia? Você espera que eu perca quem mais? E agora, justiça, tome providências o mais rápido possível, não deixe a Norte Energia enganar as pessoas mais uma vez. Que a Norte Energia tenha dignidade e não venha enganar as pessoas mais. Eu espero que ela venha tratar as pessoas com mais respeito e dignidade, porque é a causadora de todos estes problemas. Já faz três anos que as pessoas esperam voltar para seus territórios e você, Norte Energia, fica só causando polêmica e problemas para a vida das pessoas.

Eu já vou me adiantando que eu e mais pessoas não aguentamos mais tantas mentiras, porque esta mulher que partiu, deixando cinco filhos e um marido pescador e ribeirinho, tinha todos os sonhos para realizar em cima da sua terra; e hoje foi para debaixo. A causadora disso é a Norte Energia. Essa mulher foi uma guerreira, batendo na porta da Norte Energia todos os dias atrás de um lar para sobreviver, porque era uma pescadora e uma ribeirinha que tinha toda a saúde e vida e foi expulsa pela Norte Energia, que nem deu um teto para ela morar. Ela vivia da pesca e morava na sua ilha, perto do seu irmão, e ela foi expulsa pela Norte Energia. Então espero que a justiça faça a Norte Energia pagar pelos danos que ela causou. Espero que a Norte Energia venha realocar estas pessoas logo para seus territórios, porque já estão adoecendo por causa das suas mentiras. Que a Norte Energia agora venha com verdade, e não mais mentiras. 

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